Substack vai apodrecer seu cérebro
Sobre a ótica dos vícios, comportamento e cognição.
Sumário
1. Por que fazemos aquilo que fazemos?
2. O que é Brain Rot ou Deformação Cerebral
3. Um choque de realidade sobre a produção de conteúdo
4. Substack pode apodrecer meu cérebro?
Curadoria
Por que fazemos aquilo que fazemos?
Não é raro encontrar em notas usuários reclamando sobre mudanças dentro da plataforma. Óbvio, mudanças implicam em colaterais, além de notas, foram acrescentados formatos de fotos e vídeos.
Movimentos mais Instagramáveis viralizam. Soft-porn que, inclusive, é mais popular entre o público americano, ganha espaço. Na medida certa, o Substack tem se tornado um pouco de cada rede social.
Aliás, houve recente uma migração em massa de usuários do TikTok e Twitter. Vejam bem, não há nada de errado em abandonar redes sociais que deformam seu cérebro, trazem instabilidade emocional e vícios de comportamento.
Isto posto, por que abandonamos redes sociais convencionais para replicar os mesmos comportamentos dentro do Substack que, em contrapartida, mostrou-se uma alternativa ao caos?
Porque, aonde quer que vá, o ser humano irá padronizar comportamentos, hierarquizar, se organizar e, até mesmo, castrar qualquer um que desvie de padrões comportamentais homogêneos de seus grupos, que subsistem a base do mimetismo.1
Na Psicologia Behaviorista, há um termo chamado Repertório Comportamental. Um Repertório Comportamental é modelado de acordo com um Ambiente. Um Ambiente é tudo aquilo que orbita o indivíduo e condiciona seu comportamento através de Reforços ou Punições.2
Podemos dizer que, daí surgem fetiches como “o ambiente importa“ e uma serie de frases de efeito que, diga-se de passagem, são replicadas por quem sequer sabe a origem de suas ideias e, feito papagaios, verbalizam um comportamento que reafirmam suas crenças.3
Sem um mínimo de embasamento ou senso crítico da realidade, eles produzem conteúdo de qualidade duvidosa. E, veja bem, nada contra conteúdos produzidos para descontração ou partilha de experiências pessoais. Eu próprio, faço.
A problemática está na replicação de pensamentos coletivos baseados em ideias que estão fora da realidade ou estritamente enviesados por uma visão de mundo afetada.
Lembram daquela velha frase que a internet deu voz aos idiotas? Pois bem. Imaginem que eles não somente ganharam voz, agora são reforçados, de maneira positiva, por uma audiência.
Se nós, seres humanos, buscamos modelar a realidade por meio do nosso pensamento, e não o contrário, temos uma dissociação, ou seja, certa perda de noção quanto ao que é real.4
Mas o problema não consiste somente na alienação inconsciente. Esses ciclos se repetem em redes sociais sem que usuários sequer percebam. De repente, o personal branding se instaura, o marketing agressivo surge, propagandas são implementadas e, enfim, influenciadores se erguem.
Vale ressaltar que toda rede social tem seu auge e declínio. A grande verdade é que uma rede social existe, porque é um negócio. Negócios se sustentam através do capital. Do contrário não haveria, nesse modelo de business, uma rede social auto-sustentável.

E onde entramos no apodrecimento do cérebro? Os efeitos são parecidos com outras redes sociais, que (ab)usam de reforços de dopamina para nos manterem presos ao algoritmo?
Antes de entrarmos nesse vespeiro, precisamos falar sobre um assunto sério dentro da Psi. Cognitiva, Psi. Comportamental e da Neurociência.
O que é Brain Rot ou Deformação Cerebral
Oxford definiu a forma moderna de Brain Rot em seu dicionário.5 Não somente, disse que foi o termo do ano em 2024 e que refletia bastante os efeitos das redes sociais na “Geração Z”.
''A podridão cerebral’' é definida como "a deterioração do estado mental ou intelectual de uma pessoa, especialmente vista como resultado do consumo excessivo de material (agora particularmente conteúdo on-line) considerado trivial ou sem desafio. Além disso: algo caracterizado como suscetível de levar a tal deterioração".
- Oxford University Press

A priori, o termo aparece na obra Walden, por Henry Thoreau, lá por volta de 1854. Pois é, tem um tempinho. Entretanto, ele não foi o único a defender uma tese a respeito.
No sentido moderno, o termo ganhou holofotes por estudos sobre os impactos causados pelo consumo de conteúdo de baixa qualidade na internet. No âmbito acadêmico, Nicholas Carr deu uma ressignificada no conceito.6
Falei que não foram apenas eles que associaram a ideia de degradação cognitiva e mental com o consumo de conteúdo duvidoso, certo?
Northrop Frye e Ezra Pound na crítica, Platão e Aristóteles na Filosofia, McLuhan e, até mesmo, Skinner, ainda que indiretamente, na psicologia.
Aqui, no Substack,
Temos evidências, a ciência não mente. É uma lista extensa e uma bibliografia generosa que pondera sobre esse fato. Não se aplica somente a literatura, filosofia, arte e outros fins, mas também ao que nos expomos na internet.
Outras questões tornam-se pertinentes: é nossa a responsabilidade de seus efeitos? O que diabos isso tem a ver com o Substack?
Um choque de realidade sobre a produção de conteúdo
Existe um argumento interessante. Uma rede social é apenas uma ferramenta — o que não é uma mentira — e seus efeitos são de responsabilidade dos usuários — é bem cômodo e, até ingênuo, pensar que todos estão conscientes disso.
A última e penúltima parte dessa oração são o ponto central de nossa discussão dentro desse tópico.
Não há nada de negativo no Substack em si. Na verdade, até o momento, é a plataforma mais saudável para ambientar-se. Contudo, existe uma parcela de conteúdos criados que podem, sim, deformar sua cognição.
Lembram da composição do Repertório Comportamental Humano, conforme explicado de maneira breve, anteriormente?
Isso inclui nosso ciclo social, os livros que lemos, aquilo que mantemos enquanto hábitos, o que nos foi condicionado, aquilo que nos reforça, daí em diante.
Por essa razão, o próprio comportamento é maleável diante ao ambiente e por isso mudamos nossos hábitos quando estamos em ciclos diferentes.7
Há uma certa sensação comum de “eu estive aqui antes“. E ela sempre estará no inconsciente de quem, de fato, chegou primeiro. O que não deprecia o conteúdo de quem começou ontem.
Não me admira que grande parte da parcela que reivindica o Substack enquanto um aplicativo de leitura, e tão somente para esse fim, seja composta, principalmente, por pessoas que estavam aqui antes de tornar-se uma rede social. E tudo bem, é uma preferência pessoal, eu mesmo prefiro assim.
Antes, eram somente newsletters. Depois, implementaram notas. Hoje temos fotos, vídeos e, até mesmo, um modo live.
Acreditem, eu não sou moralista, nem acredito que deva ditar aquilo que alguém consome: livre-arbítrio. Mas, reforço, o Substack tem se tornado um pouco de cada rede social.
Antes de entrarmos nesse mérito, gostaria de te fazer refletir e ter consciência sobre questões fundamentais.
A finalidade do Substack não é a arte. Nem mesmo a valorização dos escritores independentes. Nem mesmo a autonomia de quem deseja criar de maneira despretenciosa ou ainda compartilhar conteúdo intelectual.
O Substack é apenas uma ferramenta que pode, ou não, ser usada nesses sentidos — e isso depende do próprio público.
O que interessa, e falo para “CEO’s”, são números. Estejam cientes que somos apenas usuários e que nossa relevância é medida de acordo com nossos resultados e métricas.
Eu poderia mentir para vocês, até porque, seria conveniente dizer que founders se importam e que não somos metrificados por nossa relevância, além de romantizar, é claro, a formação de uma audiência. Contudo, seria desonesto.
Aqui estão em jogo duas moedas e, diga-se de passagem, são ambas primordiais para o ser humano moderno: tempo e atenção. Constatando estes fatos, observem que ainda resta classificar usuários:
Quem cria.
Quem consome.
Quem faz ambos.
Crer que toda a comunidade terá discernimento é ingênuo. Temos problemas crônicos, causados por redes sociais, que poderiam não existir, caso esse princípio fosse genuíno.
Cabe a nós, enquanto comunidade, modular o futuro saudável da rede social, valorizar trabalhos originais, conteúdos perenes e pessoas reais.
Quem consome doa seu tempo a quem cria e vice-versa. Há uma equivalência entre relações, porque ambas são reforçadas por um interesse comum. Dito isto e feito tais observações…
Substack pode apodrecer meu cérebro?
Brain Rot no Substack?
Dependerá da qualidade do conteúdo que lemos, ouvimos e assistimos, além da preocupação e dedicação de quem cria.
Faz-se necessário, sobretudo, saber filtrar bons conteúdos.
Temos um senso de comunidade, um ambiente que promove boas criações e outras nem precisam ser boas para se propagarem — e nisso consiste parte da problemática.
Embora existam muitos conteúdos com qualidade duvidosa, há um grande volume de criadores criativos e inteligentes por aqui. Inclusive, é bem provável que você seja um.
Além desses fatores, tudo dependerá da dinâmica de mudanças que a rede social sofrerá, somado a nossa receptividade quanto ao que será proposto.
Alguns breves conselhos sobre o Substack para a manutenção da sua saúde mental e cognitiva:
Não leia, ouça ou assista qualquer conteúdo trash.
Evite entrar no flow de notas — tá virando um Treads/Twitter.
Silencie para o algoritmo compreender que você não gostou daquela entrega.
Filtre newsletters e criadores que, de fato, são relevantes para seu crescimento, porque moldam sua visão de mundo.
Busque por novas referências com consciência que verá algo duvidoso.
Não fomente o ambiente que você não quer criar.
Não assine newsletters que você não lerá. Você prejudica o criador sem perceber e polui seu e-mail e algoritmo.
Sinceramente, eu quase nem rolo feed, quando o faço tenho vontade de ***** meus olhos, e sabem o pior? Nada disso é novidade.
Existem efeitos e consequências para nossos padrões comportamentais. Observe a linha evolutiva até Cultura da Dopamina8 estimulada pelo mercado digital.

Somos, pela primeira vez, a geração com QI médio inferior a geração anterior.9 Uma geração inteira dependente por validação e telas. Sim, o Substack tem sido uma fuga em virtude de excessos dopaminérgicos externos, mas…
Lembrem-se que haverá o tempo em que influenciadores e o marketing predatório tornarão o Substack uma vitrine para produtos com conteúdos rasos e superficiais.
Apoiem pessoas reais, ideias originais, conteúdos com qualidade, newsletters e perfis humanos, valorizem o conteúdo bem feito, filtrem e propaguem bons criadores. Toda essa conjuntura agregará a comunidade.
Não precisamos tornar o Substack um Instagram 2.0, nem mesmo um remaker do Facebook, quanto menos uma extensão do Twitter. Façamos nós, nosso papel de curadoria.
Até breve.
Veritas lux mea,
Vito.
Curadoria
Categoria Leitura:
Eu Via Satanás Cair Como Um Relâmpago, por Rene Girard
Categoria Musical:
Eu Também Vou Reclamar, por Raul Seixas
Categoria Cinema:
Onde Os Fracos Não Têm Vez, por Joel e Ethan Coen
Esse texto foi patrocinado por dores de cabeça, TDAH, um risco de ostracismo
social & CO.
GIRARD, René. Eu via Satanás cair como um relâmpago. Tradução de Martha Cambini. 1. ed. São Paulo: Paz & Terra, 2012. 272 p. ISBN 978-8577532032.
SKINNER, B. F. Sobre o Behaviorismo. Tradução de Maria da Penha Villalobos. 1. ed. São Paulo: Cultrix, 2011. ISBN 978-8531603600.
SKINNER, B. F. Verbal Behavior: Extended Edition. 1. ed. Ann Arbor, MI: Xanedu Pub, 2020. ISBN 978-0996453912.
VOEGELIN, Eric. The New Science of Politics: An Introduction. Chicago: University of Chicago Press, 1952..
Oxford University Press. (2024, March 4). "Brain rot" named Oxford Word of the Year 2024. Oxford University Press. Retrieved from https://corp.oup.com/news/brain-rot-named-oxford-word-of-the-year-2024/
CARR, Nicholas. The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains. 1. ed. New York: W. W. Norton & Company, 2020. ISBN 978-0393357820.
SKINNER, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 213(4507), 501-504.
LEMBKE, Anna. Nação Dopamina. Tradução de Elisa Nazarian. 1. ed. Porto Alegre: Vestígio, 2022. ISBN 978-6586551716.
DESMURGET, Michel. A fábrica de cretinos digitais. Tradução de Mauro Pinheiro. 1. ed. Porto Alegre: Vestígio, 2021. ISBN 978-6586551525.
Eu ainda tenho esperança de que o modo vídeo e live seja algo mais jornalístico, artístico e poético para as pessoas que não gostam de escrever e sim falar
Muito interessante a reflexão. Vejo que em todas plataformas estamos sujeitos a efeitos de comunidade e algoritmos. Resta aos usuários terem o protagonismo sobre como cada plataforma vai lhe influenciar e tentar não cair na inevitável arapuca do algoritmo de consumo.